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Vinicultura

Vinicultura

Nas últimas décadas do século XIX, (…) Colares conhecera novo fôlego económico baseado, sobretudo, na produção do Vinho de Colares. Os indicadores disponíveis apontam para que o ramisco tenha sido introduzido, ou exaustivamente explorado, a partir dos finais do século XVIII, uma vez que até àquela data as fontes são omissas em relação a qualquer vinho específico, limitando-se a referir este produto entre os demais da região, onde se destaca, sobremaneira, a fruta. Foi a época dos capitalistas e proprietários, grandes comerciantes que detinham o monopólio do néctar, como os Gomes da Silva, possidentes de uma das mais antigas adegas (a Adega Viúva Gomes, fundada em 1808, em Almoçageme) – se não mesmo a mais antiga- que produziu e comercializou em grande escala o vinho ramisco, projectando internacionalmente aquele vinho, sobretudo para o Brasil (1).

Nos inícios do evo novecentista os principais viticultores da região eram Viúva Gomes & Filhos – distinguidos com o Grande Prémio na Exposição Mundial do Panamá-Pacífico, em 1915 (2), e que durante a Guerra de 1914-1918, enviaram vinho para consumo dos soldados que combatiam na frente francesa (3) -, Costa & Silva, Mazziotti, Teixeira Marques, Dr. Brandão de Vasconcelos, Luís Collares, José Parola, João Henrique Thomaz, Viúva Valério José Vicente, famílias Hipólito Filipe e Brás Rilhas, Maria José Dick Bandeira Nobre, Júlio Sena, José Simões Ferreira, Marcelino Simões, Agostinho Gomes e José Maria de Oliveira Júnior (4).

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No seu estudo datado de 1908, contudo, Chaves Cruz relatou a crise que já então devastava o ramisco, vinho que havia recebido o reconhecimento internacional na Exposição Agrícola de Lisboa (1884) e na Exposição de Berlim (1888): «Bastantes viticultores não empregam jornaleiros: os trabalhos são feitos pela família; são estes ainda assim os que melhor se vão equilibrando, na terrível crise actual, mas para uns e outros se ella ainda se prolongar será infallivelmente a ruina.

Uma vinha na areia, hoje em dia é um encargo, pois sendo a despeza da cultura enorme, o preço actual do vinho não chega a cobrir os gastos feitos com ella. [Para acabar com as falsificações e melhorar a sua qualidade] Devia o vinho de Collares ter um typo definido e permanente, e isto só se conseguirá com a creação de uma sociedade cooperativa vinicola, de produção e venda [e os agricultores] não seriam obrigados por falta de dinheiro, á venda por preços baixissimos» (5). A Carta de Lei, de 18 de Setembro de 1908, determinou que os vinhos produzidos na freguesia colareja e nos terrenos areentos das freguesias de São Martinho e de São João das Lampas fossem tidos como vinho do tipo regional de Colares. O Decreto de 1 de Outubro de 1908, assentou que as designações firmadas pela tradição se considerassem vinhos de pasto de tipo regional. E, o Decreto de 25 de Maio de 1910, regulou a sua comercialização (6).

Ainda, em 1921, o visconde de Salreu erigiu, no Banzão, umas grandes caves projectadas pelo arquitecto Norte Júnior (7). O edifício de nítida inspiração vernacular alonga-se em dois blocos paralelos e contíguos que galgam a encosta, permanecendo a fachada, junto à entrada principal, ornada por duas pipas envoltas numa cercadura azulejar da Fábrica Constança, a azul e branco, na qual se patenteiam putti colhendo uvas. Mas a cooperativa -a Adega Regional de Colares- só viria a constituir-se em 1931 (substituindo o Sindicato Agrícola da região de Colares, de 1930), por iniciativa de vários lavradores, «num meio economicamente depauperado por longos anos de individualismo imprevidente (…) nem tinham preparação associativa nem tinham pé-de-meia que lhes permitisse começar a sua cooperativa pelo princípio» (8). Por conseguinte, o capital inicial era, somente, de 100 contos, por isso houve a necessidade de se acrescer um empréstimo de 750 contos para a aquisição das instalações primitivas e mais 500 contos para as ampliar (9).

E, de entre os 81 sócios fundadores, destaca-se a actuação do clínico municipal e produtor vinícola António Brandão de Vasconcelos (10), para que aquela se tomasse realidade. E, depois da morte do médico, em 1934, Alberto Tota foi o principal animador da cooperativa e representante de Colares no Conselho Superior de Viticultura (11).

A Adega Regional, todavia, foi incapaz de reverter o processo depredativo do Vinho de Colares que coincidiu com o crescimento da Praia das Maçãs.

Outros factores que conduziram ao apoucamento do vinho, foram, sem dúvida -para além dos já mencionados custos de produção, as sistemáticas adulterações causadas pela introdução de castas alheias ao ramisco e o domínio, muitas vezes pouco escrupuloso, de alguns comerciantes sobre os viticultores-, a grande depressão de 1929 que inibiu os mercados estrangeiros, em particular, o brasileiro; a expansão urbana e a pressão imobiliária que causaram o abandono e a destruição dos numerosos vinhedos de ramisco, os quais tinham sido, aliás, poupadas ao surto de filoxera observado na região de Lisboa a partir de 1865 (12).

(1) Sobre este assunto, vide, v.g. SANTOS, 1992.

(2) Cfr. Ilustração Portugueza, n.º 508, 15 de Novembro de 1915, p. 640.

(3) Cfr. Ilustração Portugueza, n.º556, 16 de Outubro de 1916, p. 306.

(4) Cfr. CHAVES CRUZ, 1908, p. 11.

(5) CHAVES CRUZ, 1908, pp. 72-74.

(6) CUNHA, pp. 65-67.

(7) Cfr. O Regional, 14 de Setembro de 1924. Note-se, ainda, que foi construído pelos empreiteiros Santos & Santos, «constructores e edificadores» de Sintra, com sucursal na Praia das Maçãs (cfr. loc. et op. cit.).

(8) Cfr. Jornal de Sintra, 2 de Outubro de 1938.

(9) Cfr. Jornal de Sintra, 2 de Outubro de 1938.

(10) Brandão de Vasconcelos revelava grandes preocupações sociais e, para além das medidas que juntamente tomou com Carlos França no âmbito da higiene e assistência social (cfr. CAETANO, 1999A), reivindicou o parcelamento e a arborização da Serra de Sintra e a criação de um sindicato agrícola (cfr. Jornal de Sintra, 4 de Julho de 1937). Em termos políticos, refira-se, que foi um dos signatários da acta da Câmara Municipal de Sintra de aceitação do regime republicano e foi senador da República nas Constituintes.

(11) Cfr. Jornal de Sintra, 20 de Novembro de 1938.

(12) Cfr. ESTEVES DOS SANTOS, 1938, pp. 14 e 53-54.