Nas faldas da serra de Cintra, uma legua ao oeste da villa d’este nome, está sentada a villa de Collares à sombra de frondosos arvoredos. Pela encosta da serra sobranceira à povoação vão subindo algumas casas, quintas, e mattas de casta-nheiros. Inferior à villa estende-se um fertil valle, denominado a Varzea, todo coberto de pomares, e cortado pelo rio das Maçãs, que vae desaguar no oceano d’ahi uma legua. É pois sobremodo amena e deliciosa a situação de Collares.
Quanto à sua origem pouco se sabe, só que é muito antiga, e que já existia no tempo dos romanos, porque d’isto dão testemunho muitas medalhas e inscripções romanas, que ahi teem sido encontradas. Tambem não consta o que passou sob as diversas dominações, a que esteve subjeita a Lusitania depois da queda do imperio romano. Provavelmente viu-se livre do jugo sarraceno ao mesmo tempo que a sua visinha Cintra, que foi resgatada por D. Affonso Hen-riques. El.rei D. Diniz deu foral a esta vila em Maio de 1255. D. João I fez doação d’ella ao condestavel D. Nuno Alvares Pereira em Agosto de 1385. Depois, passando successivamete a differentes netos d’este heroe, veiu a pertencer à infanta D. Beatriz, mãe d’el-rei D. Manuel, pela morte da qual entrou Collares outra vez no dominio da coroa. Este ultimo monarcha deu–lhe então novo foral em Novembro de 1516, augmentando-lhe muito os antigos privilegios. Sobre a etymologia do nome de Collares, parece melhor opinião a que o deriva dos dois collos ou collinas, sobranceiros à Varzea, em que a villa está edificada. Colares teve tambem o seu antigo castello, e tão antigo que nada se sabe ao certo relativamente à sua fundação. No reinado d’el-rei D. Sebastião, e ja anteriormente, o senado da camara servia-se d’elle para diversos usos do ministerio publico. Porém no tempo dos Filippes de Castella, querendo D. Diniz de Mello e Cas-tro, que foi bispo de Leiria, de Vizeu, e da Guarda, estabelecer n’esta villa a sua residencia, pediu e alcançou a posse do castello, que logo transformou em um palacio, juntando-lhe uma bella quinta, actualmente pertencentes a seus herdeiros.
D’esta fortaleza provavelmente procedem as armas da villa, que são um castello entre arvores.
Tem Cobres uma só parochia dedicada a Nossa Senhora da Assumpção. A casa da nisericordia foi fundada por D. Diniz de Mello e Castro.
Nas proximidades da villa, em togar pla-no, mas um pouco mais alto, está o edificio do extinto convento de Sant’Anna, que perten-ceu aos religiosos carmelitas. Deu principio a esta fundação frei Constantino Pereira, que morreu em 1465, e era sobrinho do condes-tavel D. Nuno Alvares Pereira. Na capella–mór da egreja está sepultado o seu padroei-ro, o bispo D. Diniz, e n’outras sepulturas, em um carneiro, e em dois tumulos de mar-more, varias pessoas da sua familia, entre as quaes se contam Antonio de Mello e Castro, e seu filho Caetano de Mello e Castro, ambos vice-reis do estado da India. Não muito dis-tante de Collares, junto ao oceano, ergue-se a ermida da Peninha sobre um elevado roche-do. Diz a lenda, que, no tempo de D. João III, andando uma rapariga muda a pastorear n’esta serra varias ovelhinhas, lhe fugira uma, e depois de procurar, e appa-recendo-lhe então ahi Nossa Senhora lhe deu falia. A nar-ração do caso attrahiu logo áquelle sitio todos os povos das visinhanças. Descobriu-se entre as fendas da rocha uma imagem da Virgem, feita de pedra, que immediatamente foi transportada para uma an-tiga ermida de S. Saturnino, perto d’ahi. Desapparecendo, porém, a imagem por tres ve-zes, e indo-se sempre achar na mesma penedia, sobre esta se lhe construiu ao principio uma pobre ermida, que no anno de 1673 foi desfeita, e em seu logar edificou a actual Pedro da Conceição, gastando n’ella uma boa her-ança, que recebera, e fazen-do-se ermitão de Nossa Senhora. É o templo pequeno e de humilde apparencia no exterior, porém interiormente é rico de materiaes e d’arte, pois que todas as paredes e o altar-mór são de marmores de côres em obra de mosaico. Os marmores foram tirados da mes-ma serra, a pouca distancia da ermida. este santuario é ainda hoje de bastante devoção, e concorrencia, porém outr’ora affluia ali muito maior numeros de fieis, e era visitado de muitos cirios e romagens. Pouco adiante de Collares fica o logar de Almocegeme, e perto d’ahi duas curiosidades naturaes dignas de se ver: a Pedra d’Alvidrar sobre o oceano, e o Fojo mais no interior. A villa de Collares é cercada de muitas e formosas quintas, das quaes só especialisaremos de rio de Milho por encerrar a mais gigantesca e vicosa camelia, que ha em toda a Estremadura. O sitio chamada a Varzea é dos mais lindos e amenos dos arrebaldes da villa. As aguas do rio das Maçãs, represadas ahi em uma ponte de pedra, deixam gosar o prazer de navegar-se em um pequeno barco, que ali ha para esse fim, pelo rio acima até certa distancia, sempre entre pomares, e debaixo de copado arvoredo. A uma legua da vila está a praia das Maçãs sobre o oceano, onde termina o rio d’este nome, e o valle de Collares. Vão ali muitas famílias tomar banhos do mar na estação propria. O termo de Collares produz grande abundancia de excellentes fructas, que abas-tecem a capital, e se exportam para Ingla-terra, e de vinhos, que são estimados, e se assimilham aos de Bordeus.
Extracto do livro “As Villas de Cintra”